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Inovação para pessoas: recentrando o foco no valor

A palavra “Inovação” entrou no discurso diário, seja em referência a um produto, serviço, processo, empresa ou pessoa, assumindo estes esse caráter “inovador” que tanto é valorizado. E, por via da repetição de uso, acaba-se por interiorizar a ideia e, pouco a pouco, esquecer a sua definição, conceitos e pressupostos. 

Mas, afinal, o que caracteriza exatamente a Inovação?

Comece-se por observar uma possível definição: “Inovação é a implementação de ideias que resulta na introdução de novos produtos ou serviços ou na melhoria da oferta de produtos e serviços”. 

Desde já, duas ideias podem ser inferidas: a Inovação pode ser via a introdução de novos produtos ou serviços ou via a melhoria destes. Ou seja, nem sempre a Inovação implica a criação de algo novo. Por outro lado, uma palavra chave é “melhoria”. Para que este processo de criação ou de alteração seja considerado Inovação, espera-se que ele traga algum tipo de acréscimo de valor para o destinatário do produto ou serviço.

Assim, o ponto de partida para a inovação deverá estar focado neste acréscimo de valor. 

A inovação através da tecnologia

Considerando que a maior parte dos processos de produção de bens ou de prestação de serviços estão apoiados em tecnologia, parece ser uma boa opção acompanhar a evolução tecnológica como motor de inovação. E a oferta é vasta; sendo a tecnologia uma área onde a Inovação é, ela própria, um ponto chave (qualquer empresa tecnológica que não inove rapidamente desaparece), o ritmo de aparecimento e/ou evolução de tecnologias é extraordinário, algumas delas com elevado potencial disruptivo e com enorme acréscimo de valor para o cliente final.

Source: https://www.idc.com/eu/research/key-trends/emerging-technologies

No entanto, e como foi mencionado, o ritmo de inovação tecnológica é elevadíssimo, causando regulares mudanças de estratégia e de direção das empresas que optam por esta abordagem à Inovação, que pode ser designada por “Inovação pela Tecnologia”. A tecnologia torna-se não a ferramenta da inovação mas o seu fim, sendo o que  desencadeia todo o processo de Inovação. Esta abordagem pode trazer resultados positivos, e acabar por acrescentar valor ao produto ou serviço; no entanto, parece ter perdido o foco no seu objetivo final, aumentando assim o risco de resultados menos alinhados com as expetativas do destinatário dos produtos ou serviços.

Desta forma, parece ser não só mais eficiente, mas acima de tudo mais coerente com o real objetivo do processo de focar a Inovação no valor aportado ao cliente, entendendo-se “cliente” como o destinatário (interno ou externo à organização) de determinado produto, serviço ou processo – regressemos a uma “Inovação para Pessoas”.

Nesta abordagem, o termo “Pessoas” engloba várias personas

Inovação para pessoas: quais são as personas?

  1. O Cliente

    A primeira delas, e talvez a mais evidente, é a persona do cliente. Qualquer processo de Inovação deve sempre partir da análise da persona do cliente, de forma a compreender as suas expectativas e a poder orientar a introdução de novos produtos e serviços ou a revisão dos existentes de forma a corresponder ao que o cliente espera. E note-se que não basta informação demográfica para tal; é preciso ir a um nível sociológico, de forma a melhor modelar esta persona

    Outro ponto relevante é que não é suficiente a análise do cliente já existente, ou inquéritos de satisfação a que interage com a organização; desta forma, estar-se-á a incorrer num survivorship bias, onde se perde informação sobre os potenciais clientes que nunca interagiram com a organização. Só com toda esta informação será possível uma modelação mais rigorosa e o verdadeiro conhecimento do cliente (atual ou potencial), a partir da qual pode então ser feito o gap analysis e planeadas as possíveis melhorias ou criação de novos produtos e serviços, alavancado na extensa oferta de tecnologia existente.

  2. O parceiro de negócios

    Os negócios nem sempre são um jogo de soma nula; para que alguém ganhe não é necessário que outro perca. Muitas vezes é possível o estabelecimento de colaborações ou parcerias, que acabam por trazer valor a ambas as partes, potenciando mutuamente o negócio. 

    Há portanto que pensar também na “Inovação com Pessoas”, em que se procura modelar outra persona: o parceiro de negócios. A empresa não deve pensar numa lógica isolada, de silo, mas sim procurar fontes de dados ou serviços disponíveis no mercado que lhe possibilitem endereçar as expetativas dos seus clientes e trazer-lhes mais valor, estabelecendo relações, colaborações e parcerias, numa lógica de ecossistema. Fator crítico de sucesso será a definição de uma arquitetura de sistemas centrada em dados e/ou serviços, que permita materializar de forma ágil, controlada e segura estas novas trocas de informações e serviços. E, mais uma vez, a tecnologia para tal está disponível e é de fácil adoção.

  3. Os Colaboradores

    Há também que incluir neste processo os próprios colaboradores, principais responsáveis pela execução de todos os processos core e de suporte da organização, no que se pode denominar a “Inovação por Pessoas”. Aqui o foco deverá ser em aumentar a sua satisfação e motivação, garantindo as ferramentas adequadas ao trabalho bem como eliminando as tarefas repetitivas, de baixo valor acrescentado, que continuam a ser executadas diariamente.

    Para tal, poderá não ser suficiente olhar para um mapa de processos e propor melhorias; muitas vezes, estas atividades de baixo valor estão escondidas em micro tarefas, não detectáveis num mapa de processos. Será necessário um trabalho de campo, de cariz quase etnográfico, observando as atividades a serem executadas no dia a dia, e procurando identificar as ineficiências, de forma a eliminá-las ou automatizá-las. Por outro lado, a aposta em plataformas de desenvolvimento e infraestruturas mais ágeis e resilientes (por exemplo, low code e cloud, respetivamente) trazem enormes benefícios na eficiência e motivação das equipas, reduzindo o esforço necessário e criando oportunidade para a realocação dos recursos a tarefas de maior valor, mais motivantes e desafiantes. São estes recursos, agora com maior disponibilidade e motivação, que irão poder contribuir para todo o ciclo de Inovação.

Inovação para o mundo

Numa última análise, não esquecer que fora do processo e do ecossistema onde a organização opera, está todo um mundo que importa preservar para as gerações futuras, assegurando também os princípios de ética e responsabilidade social. Denomine-se esta abordagem como “Inovação para o Mundo”. 

O foco será garantir os princípios ESG em todo o processo, começando por conhecer, de forma qualitativa e quantitativa, os impactos causados pelos processos da organização no ambiente, bem como pelos produtos e serviços disponibilizados aos clientes. 

Estes impactos e sua mitigação devem fazer parte da análise de retorno de investimento. Também os aspetos sociais devem ser acautelados, até porque os mesmos podem ser determinantes no alcançar de novos segmentos e/ou clientes; temas como a falta de acessibilidade, ou simplesmente a consideração dos canais de interação a disponibilizar, podem automaticamente excluir franjas significativas da população.

Finalmente os temas éticos, não só no tratamento de dados (tema já parcialmente endereçado pelo RGPD), mas também na utilização de inteligência artificial, que se pretende responsável. Por exemplo, manter sempre a capacidade de explicar o porquê de uma decisão é fundamental; não é aceitável descartar responsabilidades sobre as decisões para um lacónico “foi o sistema que decidiu”, quanto podem inclusivé haver vidas humanas em risco. É essencial ter todo o cuidado no ciclo de vida da IA, desde a seleção dos dados de treino, passando pela compreensão dos algoritmos e explicabilidade dos resultados.

Inovação infinita

Finalmente, uma última nota para o que se pode denominar como “Inovação Infinita”. Este processo aqui abordado, numa lógica de orientação às pessoas, não é algo que ocorra de forma única, num momento específico no tempo. Qualquer uma das personas mencionadas muda, quer pela evolução do contexto, quer pela própria evolução humana, sendo de esperar novas ferramentas, expectativas e exigências.

Há, portanto, que manter este esforço de conhecimento, compreensão e modelação das personas de forma constante, de modo a que o modelo criado se mantenha o mais fiel possível à realidade em qualquer momento. A Inovação tem que passar a ser um processo organizacional, ao lado de qualquer outro processo core ou de suporte, num ciclo infinito de compreensão e melhoria, onde a tecnologia é uma ferramenta essencial, mas onde o foco regressa às pessoas.